Durante muitos anos da minha vida, vivi como se ainda estivesse na adolescência —mesmo já tendo 20, 30 anos. Isso porque a minha existência girava em torno do álcool. Eu morava sozinha, em um apartamento incrível, mas deixava as contas se acumularem até ser, literalmente, notificada judicialmente a resolver a situação. Quando isso acontecia, corria para a minha família em busca de ajuda. Perdi a conta das vezes que deixei o barco afundar, esperando que alguém viesse me resgatar.
Hoje entendo que isso fazia parte da doença. Quando o álcool está no centro da vida, tudo ao redor vira bagunça. Se não estava bebendo, estava de ressaca. E se surgia alguma responsabilidade, especialmente burocrática, eu empurrava para debaixo da cama —às vezes, literalmente. Nada era mais importante do que beber… ou me recuperar da bebedeira.
Debaixo da cama, iam se acumulando boletos, compras impulsivas, papéis e bagunças. Quando a situação saía do controle, cheguei a inventar doenças graves para ganhar tempo com os cobradores –tentando sensibilizá-los para renegociar dívidas ou aliviar cobranças. Às vezes funcionava, às vezes, não. E quando não funcionava, eu chorava, acusava o mundo de falta de empatia. Mas, no fundo, eu sabia: muitas vezes tinha como pagar, mas preferia gastar com outras coisas ou simplesmente não queria lidar com a vida.
Esse descontrole não ficava só na vida pessoal. No trabalho, perdi muitas vezes o senso de profissionalismo. Lembro de uma chefe me chamar a atenção por chorar em momentos totalmente inadequados. Na época, não entendi. Hoje, entendo perfeitamente.
Tudo começou a mudar quando parei de beber. A recuperação não foi instantânea, mas foi real. Aos poucos, comecei a organizar minha vida. Fui pagando as contas acumuladas, resolvendo pendências, entendendo minhas finanças. Pela primeira vez consegui abrir um extrato bancário sem medo. Nunca mais precisei repor um cheque por causa de uma assinatura ilegível, tremida. (Naquela época, os cheques ainda existiam…) Passei a ser respeitada pela minha família —e, mais importante, por mim mesma.
Descobri que delegar a própria vida é fácil. O difícil —e transformador— é assumir o controle dela. A sensação de maturidade e poder sobre minha história não tem preço. Hoje, ainda choro quando preciso, mas escolho onde e como: em casa, no quarto, no banheiro. Aprendi que os outros não têm responsabilidade sobre as minhas dores —e que buscar ajuda é diferente de transferir responsabilidades.
As mudanças vieram aos poucos. Foram pequenos gestos: arrumar a casa, escolher um sabonete com carinho, anotar os gastos do mês. Coisas simples, mas que indicavam que a fase da maturidade havia chegado. E que, enfim, eu tinha me tornado adulta. Posso pedir ajuda se preciso —mas hoje em dia isso é cada vez mais raro.
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Fonte UOL