SÃO PAULO E BRASÍLIA – Sete de 12 institutos de previdência de prefeituras e Estados que investiram em letras financeiras do Banco Master tinham por trás das aplicações uma mesma consultoria que deu aval para as operações: a Crédito e Mercado. No total, a consultoria autorizou a compra de R$ 233 milhões em letras do Master por esses fundos, segundo levantamento feito pelo Estadão/Broadcast. Esses papéis não são cobertos pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) em caso de insolvência do banco.
A Crédito e Mercado, especializada em atender entidades públicas, presta serviços que vão desde avaliações de carteiras até elaboração de relatórios sobre investimentos. Ela avaliou as letras do Master como opção de “baixo risco” e com rendimento acima da meta de retorno perseguida pelos institutos como mínimo necessário para honrar aposentadorias no futuro, a chamada meta atuarial.
Procurado, o CEO da Crédito e Mercado, Renan Calamia, afirmou que a consultoria “não faz recomendação” de compras de papéis de bancos, mas concede um parecer consultivo para os seus clientes, com a “análise técnica, regulatória, de risco” (veja mais abaixo).
Banco Master teve proposta de compra pelo Banco de Brasília recusada pelo Banco Central Foto: Banco Master/BANCO MASTER
Como revelou o Estadão/Broadcast, a reprovação pelo Banco Central da operação de compra de parte do Master pelo Banco de Brasília (BRB), controlado pelo governo do Distrito Federal deixará 12 fundos de pensão e um banco público expostos ao risco de não pagamento de R$ 2,96 bilhões em letras financeiras do Master que seriam honrados pelo BRB.
‘Baixo risco de inadimplência’
Num parecer dado ao Instituto de Previdência do município de Araras (SP), em fevereiro de 2024, a Crédito e Mercado diz que a nota de classificação do banco por agências de risco na época representava “baixo risco de inadimplência, com capacidade de pagamento adequada”. Para justificar a avaliação, o relatório cita a descrição da escala da Fitch, com a nota BBB – que pressupõe “baixo risco de crédito”.
A descrição no relatório da Crédito e Mercado, porém, era aplicável a notas dadas pela agência em escala global, o que não era o caso do Master. A nota BBB na escala nacional, como a detida pelo banco brasileiro na época, representava, na verdade, risco de “crédito moderado” pela classificação formal da agência.
Esse nível é avaliado no mercado como de um título mais arriscado para instituições de perfil conservador, como institutos de previdência, que costumam concentrar seus investimentos em ativos com a graduação mais segura (AAA).
Na data da análise feita pela Crédito e Mercado, o relatório da Fitch descrevia o Master como um banco complexo e com estruturas de baixa visibilidade para investidores.
O parecer da Crédito e Mercado cita o lucro de R$ 291 milhões no primeiro semestre de 2023 como um “mitigador para o risco de falência” e reproduz a descrição do site do Master em que exaltava os “princípios de governança” e o comportamento “ético dos executivos do banco”.
A análise também destaca que o índice de Basileia – indicador de solidez de bancos – do Master estava acima do mínimo requerido, por “uma boa margem”. Na época, porém, o indicador do Master estava em 12,32%, ante mínimo exigido pelo Banco Central de 10,5%. O relatório da consultoria informava equivocadamente, porém, que o mínimo exigido para Basileia seria de 8%.
“Diante do exposto, são vantajosas aquisições em ativos classificados como Letra Financeira. Com base nas propostas, não há impedimentos legais e o emissor possui rating considerado baixo risco de crédito, estando em linha com os objetivos do RPPS (Regime Próprio de Previdência Social)”, afirma o relatório que justificou a aplicação de R$ 10 milhões pelo instituto de previdência de Araras em letras do Master. A entidade investiu ao todo cerca de R$ 30 milhões em títulos do banco.
As mesmas justificativas usadas no relatório feito para o instituto de Araras embasaram a decisão da entidade de previdência de São Roque (SRPREV). Em reunião do comitê de investimentos, em março de 2024, Renan Calamia apresentou argumentos que levaram os membros do colegiado a ver os papéis do Master como vantajosos e fundamentaram a venda de letras financeiras do BTG Pactual para fazer o investimento.
“Restou o entendimento por parte dos membros do comitê ser um banco que não aumentará risco ao SRPREV, sendo aprovado pelo comitê a venda total das Letras do banco BTG e adquirida no limite de 20% do PL (patrimônio líquido) do SRPREV, as Letras Financeiras do Banco Máster SA”, afirma a ata do encontro.
Num novo parecer, de dezembro de 2024, também apresentado ao instituto de Araras, a consultoria acrescenta que boa parte dos recursos captados pelo Master estavam alocados em ativos de liquidez – a falta de liquidez é um dos problemas que levaram o Master à situação de crise atual – e recomenda novamente a aplicação citando a taxa atrativa de remuneração, de IPCA + 8%, por um prazo de dez anos.
Na mesma época, porém, o mercado já começava a apontar sinais de problemas em relação à capacidade de pagamento do Master. Além disso, cinco meses antes, uma avaliação semelhante feita pela área de risco da gestora da Caixa havia rejeitado uma proposta de investimento de R$ 500 milhões em letras financeiras do Master, por considerar a operação “atípica” e “arriscada”, como revelou reportagem do jornal O Globo, na época. O episódio culminou na queda de Pablo Sarmento da presidência da Caixa Asset, em novembro.
Ontem, a Fitch revisou para baixo o rating do Master e revisou a perspectiva do BRB para negativa. Procurada pela reportagem, a agência não se manifestou.
“Essas ações são consistentes com as considerações de sensibilidade de rating negativo da Fitch publicadas em abril de 2025, que não previam a aprovação regulatória da transação e o potencial de pressão adicional sobre a liquidez, bem como acesso a financiamento para o Master e capital para o BRB”, disse a agência.
Operação Rebote
Em seu site, a Crédito e Mercado diz ser a consultoria com maior tempo de atuação no mercado de institutos de previdência de servidores públicos, com dez anos de trajetória, 400 clientes e R$ 36 bilhões sob aconselhamento.
A empresa esteve entre um dos alvos da Operação Rebote, deflagrada no fim de 2023, pela Polícia Federal, para investigar um esquema que teria provocado um rombo de quase R$ 400 milhões ao instituto de previdência dos servidores de Campo dos Goytacazes, no Rio. Entre os investigados no caso estava também a ex-prefeita da cidade Rosinha Garotinho, casada com o ex-governador do Rio Antonhy Garotinho.
A Crédito e Mercado era suspeita de aconselhar o direcionamento de recursos para investimentos em fundos com títulos podres de longo prazo e por empresas de fachada. A mesma operação também envolveu a corretora Gradual, que mais tarde iria à falência após ser acusada de operar esquemas de desvio em larga escala em fundos de pensão.
‘Olho do furacão’
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Renan Calamia afirmou que a Crédito e Mercado tem papel consultivo e que as decisões de compra de ativos cabem aos gestores dos fundos.
“Somos uma consultoria de investimentos. Não fazemos recomendação de compra ou venda. A gente faz uma análise técnica, regulatória, de risco, sobre determinado ativo, sempre que solicitado pelo nosso cliente de Regime Próprio de Previdência Social. A tomada de decisão é sempre dele. Nosso papel é única e estritamente consultivo”, afirmou.
Ele também entende que a validação do risco em relação a determinado ativo é sempre das agências de classificação de risco. “Especificamente é algo trazido pelas agências de rating, que têm uma competência maior até do que a consultoria para balizar se determinando risco de crédito é alto ou baixo. A validação do risco em relação ao ativo é sempre da agência de rating”, diz.
Calamia diz que hoje não é possível saber o que vai acontecer com o Master, incluindo o risco de liquidação, quando o banco é fechado e todos os ativos colocados à venda.
“Estamos no olho do furação em relação às atualizações (do Master). Se perguntar para qualquer um hoje no mercado, ninguém consegue afirmar de bate pronto se vai liquidar, não vai, se vai comprar ou não”, disse.
Por meio de nota, a consultoria afirmou ainda que, em relação às letras financeiras do Master, possui “papel consultivo, não distributivo”, que a decisão “é soberana dos clientes”, que faz “gestão de risco e compliance” e tem “monitoramento contínuo de risco”.
Fonte ONU