Acertar uma vez não basta

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*Por Rodrigo Rocha

Acertar uma vez pode ser sorte. Acertar duas vezes exige algo mais profundo, um tipo raro de inteligência estratégica que só nasce da experiência real. Em um mundo obcecado por unicórnios, os serial founders são uma espécie ainda mais singular: pessoas que não apenas construíram uma empresa de sucesso, mas decidiram recomeçar. E fizeram isso com a mesma ambição, mas com outra cabeça.

Eles são menos impulsivos, mais cirúrgicos. Sabem onde colocar energia e, principalmente, onde não vale a pena desperdiçá-la. Já conhecem o jogo, mas ainda têm fome. E talvez por isso acertem de novo — não por repetirem uma fórmula, mas por saberem o que realmente importa.

Pesquisas da Harvard Business School mostram que fundadores com uma saída bem-sucedida têm cerca de 30% mais chances de repetir o sucesso em uma nova empreitada. A experiência parece importar mas não qualquer experiência. O que eles aprenderam ao viver os altos e baixos de uma primeira jornada cria um tipo de clareza que não se ensina em curso algum: o olhar treinado para o timing do mercado, a sensibilidade para montar o time certo, a coragem de dizer não a ideias brilhantes que não escalam. Acertar, quando se sabe por que, é diferente de simplesmente ter tido sorte.

Há inúmeros exemplos clássicos. Elon Musk criou o PayPal, vendeu para o eBay, e depois construiu Tesla, SpaceX e tantas outras iniciativas que alteraram o curso de suas indústrias. Rich Barton fundou a Expedia dentro da Microsoft, saiu e criou o Zillow, revolucionando o mercado imobiliário nos EUA. Stewart Butterfield tentou primeiro lançar um jogo online, que fracassou mas cujo backend acabou se transformando em um dos produtos mais usados do mundo corporativo: o Slack. Todos eles passaram pela mesma sequência: criar, errar, ajustar, crescer e depois decidir recomeçar, sabendo muito melhor onde estavam pisando.

No Brasil, o fenômeno também existe, embora menos visível. Romero Rodrigues é um exemplo claro. Depois de fundar o Buscapé e vendê-lo para a Naspers, tornou-se um dos investidores mais influentes da nova geração de startups brasileiras, por trás de nomes como Creditas, MadeiraMadeira e Olist. Patrick Sigrist fez parte da construção do iFood e, mais tarde, fundou a Daki, que rapidamente se tornou um unicórnio ao apostar no modelo de entrega ultrarrápida. Mate Pencz e Florian Hagenbuch criaram a Printi, venderam, e fundaram a Loft uma das maiores proptechs da América Latina. Não é coincidência. É padrão.

Esse padrão, no entanto, não se resume a ideias ou modelos de negócio. O que conecta esses fundadores não é o tipo de empresa que criaram, mas sim o tipo de postura que desenvolveram. O primeiro grande aprendizado é que empreender não é sobre ter uma ideia genial. É sobre resolver um problema real, com disciplina e adaptabilidade. A paixão pela solução cede lugar à obsessão pelo problema. E isso muda tudo.

Outro ponto em comum é a centralidade do time. Quase todos os serial founders reconhecem que, na primeira empresa, erraram ao contratar. Foram rápidos demais, indulgentes demais, ou otimistas demais. Na segunda tentativa, aprendem a montar o time como um arquiteto escolhe os pilares de uma ponte: com critério, com paciência e com a certeza de que, sem fundação sólida, a estrutura não aguenta o crescimento.

Há também uma mudança clara de foco em relação ao produto. Se na primeira empresa eles buscavam perfeição, na segunda eles priorizam agilidade. Lançam MVPs envergonhados, aprendem com os dados, iteram em ciclos curtos. Entendem que o tempo é mais valioso do que a estética, e que a única versão perfeita de um produto é aquela que as pessoas realmente usam.

Outro aprendizado importante é sobre distribuição. Muitos fundadores de primeira viagem acreditam que um bom produto vende sozinho. Os serial founders sabem que isso raramente acontece. Um produto excelente sem canal de aquisição é apenas um exercício de vaidade. Na segunda jornada, marketing, growth e experiência de usuário são pensados desde o início não como acessórios, mas como peças centrais da estratégia.

Há, ainda, um amadurecimento nas relações com investidores. Se antes qualquer capital parecia bem-vindo, agora eles são seletivos. Preferem parceiros estratégicos a grandes cheques. Procuram alinhamento de valores, visão de longo prazo e, acima de tudo, respeito pela cultura da empresa. Já entenderam que capital ruim é mais caro do que parece.

Mas talvez a mudança mais profunda esteja na motivação. A primeira startup é quase sempre movida por energia: aquela mistura de ambição, urgência e improviso que só quem já construiu algo do zero conhece. A segunda é movida por clareza. Não se trata apenas de vender, mas de criar algo que dure. Não se trata apenas de escalar, mas de fazer sentido.

Essa transição de energia para estratégia, de velocidade para direção, de produto para propósito é o que transforma um bom empreendedor em um serial founder. E é também o que faz deles figuras tão valiosas em qualquer ecossistema. Eles não constroem apenas negócios. Constroem referências. Constroem cultura. E, ao fazerem isso, ajudam a educar uma nova geração de empreendedores que, com sorte, também vão acertar. E, melhor ainda, aprender com isso.

Porque no fim das contas, não se trata apenas de acertar uma vez. Se trata de saber por que se acertou e o que se pode construir a partir daí.

*Rodrigo Rocha é vice-presidente de Marketing e Comunicação do Grupo Amil.




Fonte Startupi

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