O ecossistema de startups no Brasil apresenta sinais de retomada após o período conhecido como “inverno das startups”, que provocou retração entre 2022 e meados de 2023. Dados da Liga Ventures mostram que, em 2024, foram aportados R$ 13,9 bilhões em empresas brasileiras, crescimento de 50% em comparação ao ano anterior. No mesmo período, ocorreram 132 operações de fusões e aquisições, representando aumento de 124%.
Jaana Goeggel, sócia do Sororitê Ventures, fundo especializado em startups early stage lideradas por mulheres, avalia que o mercado local avança em maturidade e começa a ultrapassar barreiras regionais. Para ela, o modelo brasileiro possui características específicas que diferenciam as empresas do país de concorrentes na Europa e na América do Norte.
“Esse cenário representa não só uma oportunidade de crescimento, mas também uma possibilidade concreta de gerar retorno, aplicando capital em um ecossistema em constante desenvolvimento”, afirma.
A investidora elenca três características que tornam as startups brasileiras competitivas e relevantes no mercado internacional.
1. Soluções nativas no WhatsApp
De acordo com Goeggel, o WhatsApp não funciona apenas como meio de comunicação no Brasil, mas como infraestrutura tecnológica. Empresas desenvolvem produtos, jornadas de atendimento, processos de vendas e pós-venda diretamente na plataforma.
O aplicativo, que começou como ferramenta de mensagens, tornou-se essencial para operações comerciais. Vendas, onboarding de clientes, qualificação de leads e suporte via chatbots baseados em inteligência artificial ocorrem diretamente dentro do sistema, sem necessidade de plataformas adicionais.
Esse uso massivo reflete um comportamento distinto de consumo digital no país, onde os usuários priorizam praticidade, integração e respostas rápidas. Essa dinâmica molda não só os produtos oferecidos, mas também a estrutura dos modelos de negócios.
2. Mobile-first, conversacional e engajado
“Startups brasileiras têm um comportamento digital forte que é mobile-first, conversacional e altamente engajado”, explica Goeggel.
A abordagem mobile-first acompanha a predominância dos smartphones como principal meio de acesso à internet no país. Essa realidade influencia desde o design das soluções até as estratégias de aquisição de usuários.
O modelo conversacional não se restringe ao WhatsApp, mas permeia todo o relacionamento com o consumidor. Seja por meio de bots, voice commerce ou automações, as interações são centradas em linguagem natural e comunicação direta.
Esse padrão de engajamento também sinaliza uma mudança na mentalidade dos fundadores. “Eles estão criando com um público global em mente”, aponta a investidora, destacando que as startups já nascem prontas para atender mercados além das fronteiras nacionais.
3. Da operação local à escala internacional
Outro ponto identificado por Goeggel é a capacidade de construir produtos resilientes, preparados para cenários complexos como o brasileiro, e depois expandi-los globalmente.
Ela observa que empreendedores aproveitam desafios internos — como burocracia, diversidade cultural, desigualdades e infraestrutura — para desenhar soluções robustas. Essas soluções, uma vez validadas no mercado local, são adaptáveis a diferentes contextos regulatórios, linguísticos e culturais.
“Isso mostra o crescente reconhecimento do Brasil como um centro de inovação e talento global”, afirma. De acordo com a investidora, muitas startups já buscam ativamente investidores internacionais, além de parcerias estratégicas fora do país. Essa transição do modelo regional para global reflete a consolidação de um ecossistema mais sofisticado, alinhado às exigências de mercados estrangeiros.
O relatório da Liga Ventures indica que o aumento nos investimentos e nas operações de fusões e aquisições em 2024 reflete diretamente esse amadurecimento. Após a retração observada no biênio anterior, o setor passou a atrair novamente capital, inclusive de players internacionais, motivados pela capacidade das empresas brasileiras de operar em ambientes desafiadores e de escalar rapidamente.
As startups mais atrativas apresentam soluções baseadas em automação de processos, integração via plataformas de mensagens, serviços financeiros digitais, saúde, segurança da informação e análise de dados. Essa preferência acompanha tendências globais, mas com diferenciais locais.
A flexibilidade na adaptação às demandas específicas do consumidor brasileiro funciona como laboratório para modelos replicáveis em mercados emergentes e desenvolvidos. A adoção de ferramentas conversacionais e plataformas móveis também redefine a relação das empresas com seus públicos, tornando os ciclos de feedback mais rápidos e a capacidade de iterar produtos mais eficiente.
Além disso, o fortalecimento de startups lideradas por mulheres e outros grupos historicamente sub-representados, foco do Sororitê Ventures, contribui para diversificação do ecossistema, tanto em perfis de liderança quanto em tipos de solução desenvolvida.
Com a combinação de crescimento interno, busca por internacionalização e consolidação de modelos nativos digitais, a expectativa é que o Brasil se posicione de forma mais consistente no cenário global de tecnologia e inovação nos próximos anos.
Goeggel conclui que investidores atentos às características específicas do ecossistema brasileiro podem identificar oportunidades relevantes, tanto em termos de retorno financeiro quanto de impacto estratégico.
Fonte Startupi