Quando a Inovação Deixa de Ser Opção: Turnaround nas Instituições de Ensino Superior

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Raphael Bispo Milhomens
Raphael Bispo Milhomens
Doutor em Ciências da Educação e Diretor de Regulação e de Pós-Graduação da Faculdade Van Gogh e Diretor Geral da Faculdade Itecne – UNITECNE. Diretor da R4 Consultoria de Regulação Educacional. Com sólida trajetória em gestão acadêmica, regulação e inovação, já atuou como Diretor Geral, Diretor Acadêmico, Procurador Institucional e coordenador de projetos estratégicos em EaD. Sua formação multidisciplinar — que abrange Administração, Enfermagem e Direito Educacional — o posiciona como um dos nomes de referência na educação superior contemporânea. É pesquisador do CNPq no grupo A Polissemia da Ação Humana, com foco em liderança educacional, modernidade líquida e políticas para formação docente.

 “Mais de 60% das IES privadas enfrentam queda na captação de alunos nos últimos cinco anos. Em um cenário de crise, reinventar-se é uma imposição, não uma escolha.”

A Educação Superior no Brasil está passando por uma transformação crucial. A estagnação das matrículas, as crescentes pressões regulatórias, as mudanças demográficas e a rápida evolução tecnológica — especialmente impulsionada pela Inteligência Artificial (IA) — colocam um desafio estratégico nas mãos das Instituições de Ensino Superior (IES): ou se reinventam ou correm o risco de se tornarem irrelevantes. Estamos diante da necessidade de um verdadeiro turnaround.

Mas o que significa, afinal, um turnaround? Na literatura de gestão, ele é descrito como um processo de reposicionamento estratégico intenso, capaz de reverter o declínio de uma organização e restaurar sua sustentabilidade. Trata-se de muito mais do que uma reestruturação operacional: é uma transformação profunda. O livro Gestão estratégica de mudanças corporativas: Turnaround, a verdadeira destruição criativa, organizado em 2012 pelo Instituto Chiavenato, descreve essa abordagem como uma ruptura deliberada com modelos ineficazes. No caso das IES brasileiras, isso implica abandonar a cultura da passividade, desafiar paradigmas pedagógicos obsoletos e reconstruir a articulação entre gestão, tecnologia e projeto educacional.

Apesar do debate recente sobre os impactos da IA — muitas vezes enviesado por temores ou desinformação —, o ponto central não é se devemos usar a IA, mas como e com qual intencionalidade. A IA não deve ser encarada apenas como ferramenta, mas como agente de transformação estrutural. Sua aplicação transversal — nos currículos, na gestão e nas práticas pedagógicas — é condição indispensável para que as IES se tornem contemporâneas.

O desafio, portanto, não é apenas oferecer disciplinas sobre IA, mas integrá-la à cultura institucional. Isso inclui modelos generativos aplicados ao ensino, personalização da aprendizagem com base em análise de dados educacionais e automação inteligente de processos administrativos. Um exemplo concreto é o GEDAI, desenvolvido pela Cerbrum — o primeiro sistema de Gestão Eletrônica de Documentos acadêmicos inteiramente baseado em IA. Ele automatiza a classificação documental, reduz significativamente o tempo e os custos de digitalização e aprimora a rastreabilidade e eficiência operacional. Trata-se de um caso real que utilizamos nas instituições com as quais atuo diretamente e que recomendo com base em sua efetividade. Trata-se de um exemplo que ilustra o potencial concreto da IA na gestão educacional, com impacto direto em eficiência e rastreabilidade.

Entretanto, muitas IES ainda operam com lógicas gerenciais ultrapassadas. Persistem barreiras à adoção de tecnologias educacionais disruptivas — como realidade aumentada, laboratórios virtuais, simuladores imersivos, learning analytics e blockchain para certificações. O discurso da inovação, tão presente em eventos e relatórios, ainda é pouco traduzido em ações concretas. O turnaround necessário é, portanto, pedagógico, tecnológico e institucional. Exige lideranças visionárias, capacidade de execução, vínculo com ecossistemas de inovação e coragem para transformar estruturas que já não produzem valor à experiência do estudante.

O tempo da experimentação já se esgotou. É urgente implementar modelos de gestão orientados por dados e evidências, com metas claras, indicadores de desempenho e estratégias escaláveis de inovação. A competitividade no setor já não depende de tradição ou escala, mas da capacidade de gerar relevância acadêmica e social num mundo digital e cognitivo.

A reinvenção das IES ultrapassa a ideia de sobrevivência institucional. Trata-se de reimaginar a função da universidade na sociedade contemporânea. Aqueles que conseguirem fazer da IA, da inovação e do pensamento estratégico os pilares de um novo projeto acadêmico — capaz de combinar eficiência organizacional e compromisso humanista — estarão moldando o verdadeiro futuro da Educação Superior.


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