Economia Verde: oportunidades e desafios do Brasil em mundo que busca reduzir emissões
A descarbonização da economia global abre um leque de oportunidades para o Brasil, mas o País tem desafios a superar. Crédito: Estadão
Empresas em estágios iniciais já dedicadas ou que querem se dedicar a produtos e serviços de economia verde e descarbonização têm mirado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como uma potencial fonte de recursos para escalar no mercado brasileiro.
O panorama é apresentado pelos números da chamada pública de 2025 do programa BNDES Garagem, braço de impacto da instituição, que investe em organizações nos estágios de criação e tração, em uma parceria com a aceleradora Quintessa.
Segundo dados antecipados ao Estadão, a maioria dos negócios inscritos no edital, fechado no mês passado, são do segmento de sustentabilidade: 31% do total. Ao todo, a área soma 560 das inscrições.
As demais áreas dos negócios inscritos são: educação, com 278 empresas; saúde, com 257; economia da periferia, com 170; e economia azul (relacionada a área hídrica e naval), com 38. Os projetos que não atendem a nenhuma dessas categorias somaram 525 das inscrições.

BNDES Garagem investe em negócios de impacto Foto: Jaque Machado/BNDES
O perfil do interesse repete o desempenho do ano passado, quando o segmento de economia verde e descarbonização também foi maioria nas inscrições. Na ocasião, 586 negócios do setor buscaram os recursos do programa.
Um dos pontos que ajuda a explicar a tendência é a maior apetite das instituições investidoras nos últimos anos, incluindo o BNDES, para o financiamento climático até mesmo nas empresas voltadas para impacto. Na seleção dos projetos efetivamente contemplados pelo BNDES Garagem em 2024, por exemplo, mais da metade selecionada veio dessa área.
“O BNDES sempre teve uma área ambiental, mas esse posicionamento começou a ficar cada vez mais forte. Não só há a necessidade de mais aportes financeiros para a transição climática, como percebemos também que o próprio mercado financeiro tem olhado para isso como uma oportunidade”, explica a gerente do BNDES Garagem, Alice Lopes. “É muito claro para nós que o Brasil é um protagonista nessa agenda, e os empreendedores ligados a impacto estão percebendo esse momento.”
No edital de 2025, as áreas apontadas como foco das soluções esperadas foram as dedicadas a: florestas e agricultura sustentável; água e saneamento; gestão de resíduos; energia e biocombustíveis; além de logística e mobilidade.

Alice Lopes é gerente do BNDES Garagem Foto: Divulgação/BNDES
Com o dinheiro indo para a sustentabilidade, o perfil do negócio de impacto tem se tornado “mais verde” até mesmo para quem não tinha soluções climáticas em seu portfólio, avalia a co-CEO da Quintessa, Gabriela Bonotti, analisando os últimos 15 anos do mercado de impacto no Brasil, após o que chamou de “boom das edtechs (statups de educação)”.
“Não podemos desconsiderar a questão do financiamento. Esses negócios precisam de financiamento, e o que vemos na Quintessa é que, nos últimos quatro anos, o grande volume de investimentos tem ido para a pauta climática”, diz. “Inclusive a Quintessa, no último ano, se reposicionou, colocando clima e desenvolvimento econômico como os dois principais guarda-chuvas de atuação, não só pelo volume de negócios, mas porque o grande volume de capital filantrópico e comercial tem se direcionado para o clima”, ressalta.
Capacidade de escalar
O interesse do BNDES Garagem pelos negócios verdes de impacto também tem a ver com a busca por investir em empresas com potencial para crescer, afirma Lopes. Segundo ela, a iniciativa trabalha com o conceito de empresa de impacto da Estratégia Nacional de Negócios de Impacto (Enimpacto), adotado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), que considera esses empreendimentos como capazes de gerar impacto socioambiental positivo enquanto produzem resultado financeiro de forma sustentável.
“O BNDES Garagem fala de conseguir trabalhar nessa convergência do impacto socioambiental como o potencial de negócio, de fato. Como em outras diversas ações do banco, procuramos nos alinhar a essa política pública nacional e trazer essa visão para dentro do programa, em termos de posicionamento.”
O ponto de vista é compartilhado por Bonotti. “Avaliamos cada negócio quanto ao potencial de geração de impacto (e também) qual a capacidade desse negócio escalar financeiramente e se perpetuar. Porque, dado o conceito de negócio de impacto, ao passo que o negócio cresce, ele também cresce em geração de impacto. Não tem o que chamamos de trade-off (conflito de escolha): ou priorizar o impacto ou priorizar o crescimento do negócio.”

Gabriela Bonotti é co-CEO da Quintessa Foto: Quintessa/Divulgação
Criado em 2018, o BNDES Garagem chegou à terceira edição em 2024. A edição é dividida em quatro ciclos anuais, e deve selecionar 100 negócios por ano para aceleração até 2028, obedecendo critérios de diversidade de raça, de gênero e de região, além do impacto gerado pelo negócio e do potencial da empresa para escalar.
Segundo Lopes, na etapa atual, os 100 negócios selecionados serão divulgados durante o período da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30). A partir do dia 19 de novembro, seus gestores irão passar por meses de formação com especialistas e outras atividades de aceleração e mentoria, além de conexão com potenciais investidores e parceiros de empresas públicas e privadas.
No final desse ciclo, em junho de 2026, os dez negócios que mais se destacarem participarão do Demoday, evento de encerramento e networking. De acordo com a colocação, os cinco negócios da categoria de tração receberão valores entre R$ 64 mil e R$ 160 mil. Na categoria de criação, os demais ganharão de R$ 32 mil a R$ 85 mil.
O programa ainda deve oferecer o Prêmio BNDES Garagem Mais Brasil, que irá contemplar negócios das regiões Norte e Nordeste e também da economia da periferia com valores de R$ 20 mil para criação e R$ 30 mil para tração.
Os valores são menores do que os financiamentos mais comuns subsidiados pelo BNDES a empresas de maior porte, mas, segundo Lopes, são característicos de uma “porta de entrada” de um público diferente ao banco.
“O programa funciona com uma espécie de portas abertas no banco para esse público de pequenos empreendedores e de negócios nascentes, que não é o público histórico ou do banco, que, muitas vezes, trabalha com projetos maiores. Gostamos de fazer essa menção de ter essas portas abertas para um público com o qual normalmente não interagimos muito.”
Saída no clima
Independentemente do volume dos valores investidos, com o apetite dos investidores indo para a economia verde, a tendência é que o clima seja a saída para a sobrevivência dos negócios de impacto em tempos de pressão global contra a agenda ESG hoje, especialmente no tema da diversidade, avalia Bonotti.
“Temos mais de 500 negócios acelerados na base da Quintessa, para além do BNDES Garagem. Esses negócios vendiam para grandes empresas com as soluções para ajudar na evolução de metas ESG, e a maioria desses contratos foram descontinuados. Vemos perda de força e, ao mesmo tempo, o capital migrando para a agenda de clima.”
Desse modo, a especialista vê como uma alternativa para esses negócios estabelecer conexão com os temas da agenda verde, focando nas potencialidades dessa junção para gerar soluções. “Por exemplo, o cruzamento entre mulheres e clima: como as mulheres podem ser protagonistas em trazer soluções para a área, ou a questão do racismo ambiental, para não perpetuar desigualdades na transição para um novo modelo econômico”, cita.
“Como intermediários na economia de impacto, são ganchos que estamos tentando casar e trazer relevância para a pauta, mas é algo para ver ainda se desenrolar nos próximos anos”, avalia a gestora.
Fonte ONU