Fernanda MourãoArquiteta e CEO do Futuro Labs, consultoria de soluções e tecnologias em gestão de espaços de trabalho
Café da manhã à vontade, sessões de yoga e massagem costumam ser oferecidos em hotéis, mas você já imaginou ter acesso a esses serviços no local de trabalho? Fernanda Mourão, que se apresenta como “arquiteta do futuro do trabalho”, propõe o conceito da hospitalidade nos escritórios para criar espaços mais atrativos para os profissionais.
“É como a lógica de um hotel, o que não tenho em casa que me faria querer ir para lá? O escritório precisa oferecer essa atratividade, seja em infraestrutura, seja em experiências“, afirma em entrevista ao Estadão.
O escritório do futuro oferece ergonomia, acústica, iluminação adequada, acessibilidade, além de espaços diversos para foco, colaboração e descanso, enumera a arquiteta. Na Faria Lima, endereço que reúne alguns dos prédios comerciais mais caros da capital, o desafio é adaptar as plantas dos prédios mais antigos para garantir funcionalidade.
Mas não se trata de replicar aqueles espaços com escorregadores, salas de jogos e outros recursos de distração que se tornaram febre antes da pandemia. O mais importante é a flexibilidade, diz Mourão. “Nem sempre um ambiente descolado vai funcionar”, pondera.
Confira trechos da entrevista:
Você se apresenta como “arquiteta do futuro do trabalho”. Me conta sobre a sua trajetória na área.
Me formei em Arquitetura e Urbanismo pela Mackenzie. Desde a faculdade trabalho com espaços de trabalho, meu TCC foi o projeto de um prédio corporativo. Esse interesse vem desde a infância, mesmo que não seja de forma consciente. Meus pais eram bancários, passavam muito tempo fora de casa e odiavam o trabalho deles. Eu via aquilo e pensava: “como alguém pode detestar algo que ocupa a maior parte do dia?” Nunca aceitei essa ideia.
Há sete anos deixei o mercado corporativo para empreender, inicialmente na área de tecnologia voltada a espaços de trabalho. Desenvolvi um software de gestão de escritórios.
A arquiteta Fernanda Mourão ajuda empresas desde a escolha do prédio até o acompanhamento de como os espaços estão sendo utilizados pelos funcionários Foto: Taba Benedicto/Estadão
Hoje meu trabalho com as empresas vai desde a pesquisa sobre o futuro do trabalho até projetos mais concretos e atuais. Ajudamos a definir a localização ideal do escritório, o perfil do prédio, como organizar os espaços internos, quantas pessoas precisam de estações fixas ou podem adotar modelos flexíveis. Depois, acompanhamos a operação com softwares de gestão.
O termo “arquiteta do futuro do trabalho” nasceu da intenção de redesenhar o futuro do trabalho em que acredito.
O que significa o termo “Workplace Experience” e por que esse conceito é importante nos espaços físicos de trabalho?
O “Workplace Experience” envolve vários componentes que fazem parte da experiência de estar no trabalho. Faço parte do Comitê de Workplace Experience da CoreNet Global Brazil Chapter, que é um grupo do mercado imobiliário corporativo, discutimos até onde conseguimos atuar na experiência do funcionário.
Chegamos à conclusão de que podemos atuar, por exemplo, na localização do escritório, que pode impactar diretamente na experiência. Como é a mobilidade para chegar até lá? Depois, vem a própria chegada no espaço. Como é a fluidez de entrada, tanto para visitantes quanto para os profissionais que trabalham naquele escritório?
Mesmo dentro do escritório, a forma como os ambientes são pensados pode dizer muita coisa sobre a cultura e os valores da marca. As pessoas acham que isso é algo supérfluo, mas não é. Existe um impacto cognitivo real
Fernanda Mourão, arquiteta
A neurociência tem mostrado cada vez mais como nos identificamos com as cores e os elementos do espaço, e como esses detalhes trazem senso de pertencimento e lembrete para os profissionais sobre a cultura da empresa.
Como mapeia esses elementos no “Workplace Experience”? Quais são as funções?
Temos cinco grandes grupos. O primeiro é o espaço físico em si com todos os seus desdobramentos. O segundo é a tecnologia, desde a fluidez de entrada até o uso de recursos tecnológicos nos espaços para realizar eventos híbridos ou apoiar as atividades do dia a dia. O terceiro é a cultura, que inclui como organizamos e controlamos o ambiente de trabalho.
O penúltimo é a flexibilidade que podemos oferecer. No pós pandemia, vimos a importância de dar autonomia para que cada pessoa ajuste seu espaço de trabalho da forma como se sente melhor. Passamos a notar o valor de uma boa cadeira e de uma iluminação adequada.
Por fim, também temos questões de ergonomia. Os principais são o mobiliário e a ergonomia dele, que envolve a fluidez de circulação e a ausência de espaços entulhados, a iluminação e a climatização (ar-condicionado e temperatura).
A ergonomia pode variar. Em alguns casos, falamos dos materiais e cores utilizados no espaço. Em outros, do conforto acústico, que é algo cada vez mais valorizado no pós pandemia.
Quando oferecemos elementos de adaptação para que o profissional organize o espaço conforme considera ideal, isso gera impacto na produtividade que é o que a empresa busca.
Como as empresas brasileiras adaptaram seus espaços físicos no contexto pós pandemia?
Vimos que as pessoas não queriam retornar 100% ao presencial e isso permanece até hoje. As empresas enfrentaram outro desafio durante a pandemia, que é contratar profissionais do Brasil inteiro e até do exterior, o que fez com que o número de funcionários fosse maior do que a capacidade dos escritórios antigos.
Uma das soluções para lidar com esse novo cenário foi o uso de softwares de gestão de espaço para reservar mesas e controlar quem vai ao escritório a cada dia. Assim, o funcionário que se desloca tem a garantia de encontrar um posto de trabalho disponível sem precisar caçar espaço.
Outra adaptação foi o fim das mesas fixas. Com o rodízio de pessoas, não faz mais sentido cada um ter sua mesa. Por isso, voltaram os lockers (armários) e os gaveteiros volantes.
Também houve uma valorização dos espaços coletivos. Antes mesmo da pandemia, notamos uma tendência dos escritórios ganharem “cara de casa” com sofás, tecidos mais confortáveis, objetos que tornassem o espaço menos asséptico, não aquele branco e cinza.
No pós pandemia ficou claro que as pessoas não precisam ir ao escritório para trabalhar sozinhas. Elas querem ir para interagir. Daí a importância de lounges, áreas de descompressão e ambientes de convivência. Isso gerou um movimento de retrofit (reforma) em muitos escritórios.
A mudança também impactou o mercado imobiliário porque há muitos imóveis vazios que não atendem às novas necessidades, enquanto a demanda por áreas modernas e flexíveis cresce em regiões disputadas como Pinheiros. O problema é que ainda não há prédios suficientes prontos nessas áreas.
Você citou que antes da pandemia houve o boom de escritórios com “cara de casa”. Agora quais são as tendências no ambiente de trabalho?
A tendência de ambientes compartilhados está em queda. Na verdade, o coworking mudou de perfil.
Antes, eram mais empreendedores individuais, autônomos e freelancers. Depois que as pessoas aprenderam a trabalhar de casa, os coworkings passaram a ser usados mais pelas empresas como solução transitória.
Hoje, a maioria das empresas que alugam coworking faz isso por um período curto, em torno de um ano, até conseguir um escritório fixo.
As empresas que estão indo para espaços próprios contratam serviços no estilo coworking com a lógica de hospitalidade. É o que chamamos de facilities: você paga uma conta única que inclui internet, água, café, limpeza, manutenção, suporte de TI, toda a infraestrutura
Fernanda Mourão, arquiteta
As empresas que experimentaram isso querem manter o mesmo modelo no escritório próprio. Também entra o conceito de comunidade dos coworkings.
Até recepcionistas estão recebendo treinamento de “community manager” para conectar pessoas, cruzar interesses entre áreas e fomentar interação. Já existem empresas especializadas apenas em alocar gestores de comunidade em companhias maiores, foi algo que nasceu dos hubs de inovação e coworkings.
Na Faria Lima, como os escritórios da região evoluíram nos últimos anos?
A Faria Lima é bem adensada. Temos poucos prédios novos de uso comercial. Antes, os prédios na Faria Lima tinham muito aquela cara de banco com um bloco enorme, quadrado, mármore, imponente. Depois veio a fase da “pele de vidro”, quando começou a entrar um pouco de design. Agora, a tendência parece ser de construções menos gigantescas. Algumas incluem jardins que quebram a rigidez.
A Faria Lima tem uma fama e até brincadeiras de ser “instagramável”. Porém, vejo que isso está mudando. Até porque trabalhar lá custa caro, é um dos metros quadrados corporativos mais caros de São Paulo.
As exigências em relação ao que o prédio oferece também mudaram. Não basta ser uma “casca” bonita, a experiência interna e a funcionalidade passaram a ser relevantes.
A Vila Olímpia e a região próxima ao Shopping Morumbi ainda levam vantagem, porque os prédios, apesar de mais antigos, oferecem plantas mais livres e mais flexíveis. Já na Faria Lima, muitos prédios demandam retrofit (reformas) para se adequar.
As empresas estão procurando plantas mais abertas. Antes era muito compartimentado, com várias salas pequenas. Hoje, os espaços precisam ser flexíveis e híbridos, salas que podem se unir em uma grande ou se dividir em menores, conforme a necessidade
Fernanda Mourão, arquiteta
Outro ponto muito forte é a questão acústica. Existem soluções de painéis acústicos suspensos, as chamadas “nuvens”, além de trazer cor e estética, ajudam no conforto térmico e no isolamento de som.
Depois do home office, as pessoas se acostumaram ao silêncio. O barulho dos escritórios abertos incomoda. Então, apesar da planta livre, é preciso segmentar os usos com espaços para concentração que precisam de um tipo de acústica e dinâmica.
Os espaços físicos ainda são relevantes para atrair e reter talentos nas empresas?
O espaço físico continua relevante, mas de uma forma diferente. Hoje funciona como um ponto de encontro, quase como um palco para as atividades, não como um local de presença obrigatória.
É um pouco como a lógica de um hotel, o que não tenho em casa que me faria querer ir para lá? O escritório precisa oferecer essa atratividade, seja em infraestrutura, seja em experiências.
Quando falamos de retenção de talentos, há a discussão em torno das novas gerações. O que os jovens buscam nos escritórios?
Não é necessariamente um escorregador, uma cabine diferente ou uma sala de descanso inusitada. O que eles buscam é pertencimento.
A geração Z valoriza a flexibilidade de poder trabalhar de qualquer lugar, mas também quer aprender com os mais experientes e conviver com os colegas. Muitos não tiveram a experiência de fazer parte de um time no dia a dia presencial porque começaram a carreira no modelo remoto.
O espaço físico tem um papel fundamental para eles de ser o lugar onde podem trocar ideias, se desenvolver, aprender e se sentir parte de uma comunidade de trabalho.
Se o espaço é todo rígido e segmentado, o jovem percebe que não é flexível e que não oferece a autonomia que desejam. Eles entendem que há restrições, áreas onde não podem circular, pessoas que não se misturam. Acho difícil que os jovens de hoje se interessem por esse tipo de escritório e, consequentemente, por esse tipo de empresa.
Quais são os principais erros que as empresas ainda cometem na hora de planejar seus espaços físicos de trabalho?
Existem dois erros. Um deles é copiar uma receita pronta, sem olhar para a própria cultura da empresa e sem entender o que ela quer transmitir aos funcionários em termos de valores.
Por exemplo, em uma empresa em que o trabalho exige mais concentração, com pessoas mais reservadas. E aí, alguém decide criar um ambiente super colorido, cheio de estímulos, que incentiva conversas o tempo todo. Isso não condiz com a cultura do time ou com as necessidades daquela atividade.
O segundo erro é não ouvir quem trabalha ali. No fim das contas, impõe-se um modelo de escritório ou de trabalho sem dar voz aos usuários do espaço. Algumas empresas até evitam perguntar porque acreditam que isso vai gerar expectativas de mudanças impossíveis de atender.
Nem sempre um ambiente “descolado” vai funcionar. Isso ficou claro nos anos 2010, quando muitas empresas tentaram copiar o “espaço Google”, aquelas mesas de pingue-pongue, muitas cores, descontração, no fim, não trouxe valor real. Tanto que muitos escritórios perceberam que faria mais sentido ter uma war room (sala de guerra) para grupos menores fazerem brainstorms (discussão de ideias) ou gestão do que um escorregador.
“A estética Google” nos escritórios gerou um efeito dominó?
Na teoria, a ideia de colocar cores, escorregadores e mesas de pingue-pongue era para descomprimir e descontrair. Na prática, o objetivo era fazer com que as pessoas ficassem o máximo de tempo possível no escritório, usando esses artifícios de entretenimento como incentivo para permanecerem.
Participantes brincam no escorregador da exposição do Google na Consumer Electronics Show, em Las Vegas, em 7 de janeiro de 2020 Foto: Alex Welsh/NYT
Só que nem todo mundo se entretém dessa forma, alguns grupos ou gestores nem usam esses espaços. A consequência é que o local acaba ficando vazio. Isso consome bastante espaço porque uma mesa de pingue-pongue precisa de área ao redor e lugares para sentar.
Muitas empresas estão integrando espaços educacionais dentro do próprio escritório. Isso permite que treinamentos ocorram ali e facilita que os funcionários troquem conhecimentos e formem grupos multidisciplinares.
Isso se torna mais um motivo para que os funcionários queiram ir ao escritório, não apenas pelo espaço físico, mas pelo valor que agrega à experiência de aprendizado e colaboração.
Segundo uma pesquisa recente da FGV em parceria com a Flash e o Grupo Talenses, o modelo híbrido é o preferido pela maioria dos brasileiros. Esse formato de trabalho está mudando a forma como os escritórios são planejados?
O modelo híbrido dá a permissão de não precisar ter uma mesa para cada funcionário. Algumas empresas calculam e distribuem os dias fixos em que cada colaborador vai ao escritório. Se você tem 100 funcionários, em um determinado dia podem estar presentes apenas 60, não precisa de 100 mesas. Esse é o impacto mais básico do híbrido na espacialidade dos escritórios.
Outro efeito é sobre as cabines individuais. Houve um boom delas antes da pandemia, agora a demanda é menor. Se a pessoa vai ao escritório apenas para uma reunião virtual de um dia, não há necessidade de tantas cabines.
A pandemia nos fez repensar o papel do trabalho e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Por isso, cresceu a demanda por espaços abertos, plantas mais flexíveis, áreas verdes e auditórios ou espaços de relaxamento
Fernanda Mourão, arquiteta
Essa tendência se aproxima do conceito de campus corporativo, em que a empresa cria seu próprio ambiente, com mais contato com a natureza e conforto para os colaboradores.
Outro fator interessante vem da hospitalidade. O mercado hoteleiro virou referência para os escritórios. Os hotéis estão investindo em wellness, espaços de atividades físicas e bem-estar, isso tende a migrar para os ambientes corporativos.
O objetivo é oferecer uma experiência completa. Então, se o colaborador vai ao escritório, precisa ter tempo para yoga, massagem ou outras atividades. Empresas mais maduras já estão aplicando essas ideias, tornando o escritório mais atrativo e funcional, assim como um hotel que oferece serviços para a permanência dos hóspedes.
Como você imagina o escritório do futuro?
É uma plataforma viva. Hoje, nenhuma empresa mantém o mesmo escritório por 10 anos. Pode ser o mesmo espaço físico, mas ela quer mudar de alguma forma. Quanto mais os móveis e soluções de acabamento forem flexíveis, mais você possibilita um espaço vivo.
Eu vi esses dias no escritório do LinkedIn nos Estados Unidos que eles têm arte por toda parte, essas artes mudam com o tempo. Existem vários estudos de neurociência que mostram o impacto disso. Então, são soluções que permitem trocar elementos visuais no espaço criando sensação de novidade.
A adesivação é um exemplo, você muda a cara dos armários ou do escritório com outra cor ou design, o espaço ganha nova identidade. O mesmo vale para elementos acústicos, como nuvens acústicas que podem ser reposicionadas. Em termos de soluções arquitetônicas, tanto construtivas quanto de mobiliário e acabamento, é importante ter dinamismo.
As pessoas se cansam, e cada vez mais elas escolhem onde trabalhar. Como manter a atratividade do espaço? Rodinhas em tudo, mobiliários multifuncionais que se transformam, salas com múltiplas funções. A multifuncionalidade é essencial.
É um mix de conceitos de coworking e hotelaria que representa o escritório do futuro.
Fonte ONU