Brasil tem de resolver problema fiscal para poder discutir outras agendas, diz Vescovi, do Santander

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Foto: Werther/Estadão

Ana Paula VescoviEconomista-chefe do Santander

A economista-chefe do Santander, Ana Paula Vescovi, avalia que é urgente o Brasil promover um ajuste estrutural nas contas públicas. A escalada de gastos, além de elevar a dívida e o custo de financiamento da economia, também desvia a atenção de outros problemas relevantes que precisam ser discutidos, segundo ela.

“Enquanto não retirar o problema fiscal da frente, vamos ficar eternamente discutindo isso”, afirmou, em entrevista ao Estadão/Broadcast. Ela acrescentou que manter no cálculo da meta fiscal as despesas do governo com o pacote para mitigar o impacto da tarifa dos Estados Unidos ajudaria a ancorar as expectativas em relação aos efeitos da política fiscal.

Vescovi, que foi a primeira mulher a comandar a Secretaria do Tesouro Nacional, disse também que o mercado está à espera do Orçamento de 2026 para ter mais “concretude” em relação aos problemas que precisarão ser enfrentados na área fiscal no ano que vem.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

O governo quer retirar do cálculo da meta fiscal R$ 9,5 bilhões em despesas relacionadas ao pacote antitarifaço. Se esse valor voltar à meta, como quer a oposição, qual será o impacto?

Quanto mais despesas estiverem dentro do arcabouço, maior será a capacidade de ancorar as expectativas geradas pela política fiscal. A meta é de déficit zero neste ano, quando a estimativa do Santander é de déficit primário de R$ 80 bilhões. Além disso, temos uma série de programas de outras despesas que não geram impacto primário, mas sensibilizam a dívida pública. Está bastante patente a atenção do mercado com a evolução da dívida pública.

É viável acomodar esses R$ 9,5 bilhões dentro dos limites do arcabouço?

É sempre viável quando você substitui despesas. O problema é que as despesas evoluem além do que a economia consegue absorver, principalmente as obrigatórias. Temos uma evolução próxima a 4% para um PIB que não consegue crescer na mesma velocidade. A consequência é uma sobrecarga de juros na economia. E não é esse juro da política monetária, de curto prazo. É um juro que sobrecarrega a própria dívida pública no seu refinanciamento. É superimportante dar confiança a um instrumento que ancore as expectativas e traga a percepção de que a dívida pública pode ser financiada a um custo mais comedido. À medida que escolhemos prioridades, a evolução da dívida se torna mais sustentável.

Desde que sejam cortados alguns gastos, certo?

Sim, teria de cortar alguns gastos. O envio da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) mostra um sinal negativo no que sobra de despesas livres e discricionárias quando se excluem as vinculações relativas a emendas parlamentares, aos investimentos mínimos.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que o próximo presidente não conseguirá governar com o atual arcabouço.

No ano que vem, teremos de ter uma saída. É um ponto de atenção grande nos mercados o envio do orçamento, pois ele vai dar mais concretude ao que foi a LDO. Se quisermos uma economia que assegure a ancoragem de expectativas por meio do marco fiscal, precisamos empreender ações para isso. É importante entender que existem restrições. Esse (pacote de contingência contra o tarifaço) não é o único fator que está sendo colocado como exceção (à regra). Há outros que poderiam ser revistos e repensados nesse momento.

O vice-presidente Geraldo Alckmin defendeu que é preciso fazer de tudo para alcançar o superávit primário de 0,25% do PIB, definido como meta para o ano que vem. Isso é possível?

Acreditamos que vai estar mais na casa de 0,7% do PIB de déficit. Neste ano, cumprimos a meta. Para o ano que vem, as dúvidas estão lançadas. Deixamos de ter um dos fundamentos macroeconômicos importantes para a estabilização monetária depois de 2013. Foi quando começamos a ver o superávit primário, que estabiliza a dívida e é um dos três pilares macro importantes, ser diluído. A demografia puxa parte dos gastos obrigatórios, sendo a Previdência um grande emblema disso. Mas o País precisa discutir a fundo essa condição. Enquanto não retirar o problema fiscal da frente, vamos ficar eternamente discutindo isso.

O quadro fiscal já chegou a esse ponto?

Sim, estamos chegando a esse ponto de ter uma rediscussão. Ganhamos tempo porque houve um enfraquecimento do dólar, que ajudou a desinflacionar. Ajuda o Banco Central a enxergar quando será possível reduzir ciclicamente a taxa de juros, mas não a taxa de juros estrutural. Nesse momento, em que o País rediscute a sua agenda a cada quatro anos, é a hora de colocar um peso grande em endereçar esse pedaço do tripé que está faltando para anular a discussão macroeconômica e discutir os temas fundamentais de eficiência, produtividade, crescimento da renda do País, onde, na minha visão, também entra uma reforma administrativa para melhorar a eficiência dentro do gasto público. E tudo passa pela rediscussão da velocidade de crescimento do gasto público obrigatório.

O Brasil já concede bons exemplos em várias esferas, em vários momentos, de como a expectativa de equilíbrio das contas públicas aliviou a economia

A sra. entende que as discussões no debate eleitoral do ano que vem vão ser muito centralizadas na mudança fiscal? Isso também estará no foco do mercado financeiro?

Os mercados vão observar porque passa pela questão de custo de capital. O custo de refinanciamento da dívida (pública) rebate nos mercados financeiros locais. O Brasil já concede bons exemplos em várias esferas, em vários momentos, de como a expectativa de equilíbrio das contas públicas aliviou a economia. O equilíbrio das contas públicas passa por um superávit na casa dos 2,5% do PIB. Por que esse superávit? Porque precisamos estabilizar os juros da dívida e a própria dívida pública. Se a economia cresce no longo prazo próximo a 2%, requer um superávit maior que isso para a dívida equilibrar.

Parte do mercado acredita que o governo pode cumprir as metas fiscais com novas fontes de arrecadação ou, por exemplo, com leilões de petróleo.

O ajuste fiscal pelo lado da receita não resolve. Se o gasto obrigatório cresce acima do PIB, retirar subsídios vai aumentar a carga tributária e gerar um sufocamento da atividade produtiva. Jamais a carga tributária vai conseguir conter o processo de um gasto obrigatório que cresce acima da capacidade da economia de absorver esse gasto. Além disso, você não vai conseguir achar fontes não recorrentes sempre. São duas agendas: tirar o tema fiscal da frente e discutir temas que vão levar o Brasil a crescer mais do que 1,5% ou 2% no longo prazo.

Como a revisão de benefícios tributários, os chamados gastos tributários, pode contribuir com essa agenda?

Os dois principais gastos, que realmente impactam nessa conta, são a Zona Franca de Manaus e o Simples. O que vejo com certo otimismo é que a reforma tributária concretou alguns benefícios ou subsídios. Vai tirar um pouco essa discussão. O maior exemplo disso vem dos incentivos do ICMS (eliminados com a reforma). Agora, a reforma tributária também vai trazer um incentivo para a revisão do Simples, não pela lei, mas pelas próprias empresas, que às vezes vão preferir migrar para um regime geral que se tornará muito simplificado.



Fonte ONU

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