Buffett pode até odiar sushi, mas seu apetite pelo Japão é voraz

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Todos conhecem a preferência gastronômica de Warren Buffett por hambúrgueres, mas poucos sabem de sua aversão à comida japonesa. Na famosa biografia “A bola de neve: Warren Buffett e o negócio da vida”, a autora Alice Schroeder conta um pitoresco episódio quando o megainvestidor saiu faminto de um jantar organizado em Nova York por Akio Morita, o bilionário co-fundador da Sony, por não suportar olhar para várias iguarias servidas cruas que lhe eram seguidamente oferecidas.

Mas se a culinária nipônica não é de seu agrado, o mesmo não se pode dizer de seu apetite por investimentos no Japão, que têm crescido desde a pandemia de Covid-19. E, mais uma vez, o “oráculo de Omaha” não só acertou na mosca, como viu antes dos outros uma oportunidade de apostar na recuperação da economia japonesa.

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Foi no verão de 2020, quando Buffett estava comemorando seus 90 anos, que a Berkshire Hathaway revelou ter comprado no ano anterior participações de cerca de 5% em cada uma das cinco principais tradings do Japão (Itochu, Marubeni, Mitsubishi, Mitsui e Sumitomo), num investimento inicial de US$ 6,7 bilhões, ao mesmo tempo em que dizia aos acionistas que poderia manter ou aumentar o tamanho dessas participações no longo prazo.

Ou seja, os aportes não foram feitos em empresas ou setores específicos, mas nas cinco “sogo shosha”, que desempenham um papel vital na economia do país, uma vez que investem numa ampla gama de indústrias, incluindo setores como energia, tecnologia e manufatura, até criação de salmão e varejo de eletroeletrônicos. Elas também possuem participações no exterior, como em projetos de produção de petróleo e gás, por exemplo.

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Mas não é só isso. A estratégia de Buffett no país inclui a emissão de títulos denominados em ienes para se proteger contra riscos cambiais. Assim, Buffett está essencialmente pedindo dinheiro emprestado no Japão a uma taxa de juros muito mais baixa do que estaria disponível nos EUA. E pegando os recursos para investir em ações japonesas. Enquanto está exposto ao desempenho das empresas no mercado local, vai embolsando o spread do menor custo de empréstimos no país asiático.

O amigo e sócio de Buffett, Charlie Munger, falecido em 2023, explicou num podcast naquele ano que foi uma estratégia de muita paciência para elevar esses participações, hoje em quase 10% em cada trading. “Demorou uma eternidade para investir US$ 10 bilhões, mas foi como ter Deus abrindo um baú e despejando dinheiro nele. Era um dinheiro terrivelmente fácil”, comentou.

A visão foi aproveitar as taxas de juros no Japão, de 0,5% ao ano, e investir em empresas que estavam baratas e com pagamentos consistentes de dividendos de 5%. Esse “carry trade” pareceu especialmente inteligente quando as taxas de juros nos EUA subiram de praticamente zero para mais de 5% nos últimos anos, numa tentativa do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de conter a inflação em disparada.

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E a aposta é de longo prazo, como ficou claro num capítulo à parte na tradicional carta aos acionistas da Berkshire, em fevereiro passado. “Uma pequena, mas importante exceção ao nosso foco baseado nos EUA é nosso crescente investimento no Japão. Já se passaram quase seis anos desde que a Berkshire começou a adquirir ações de cinco empresas japonesas que operam de maneira muito bem-sucedida, de forma um tanto semelhante à própria Berkshire”, comentou o texto.

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Buffett comentou que o vice-presidente da Berkshire, Greg Abel, se encontrou muitas vezes com a direção das tradings japonesas nos últimos tempos e que ele próprio segue “regularmente seu progresso”.

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“Ambos apreciamos sua alocação de capital, suas administrações e sua atitude em relação aos investidores. Cada uma das cinco empresas aumenta os dividendos quando apropriado, recompra suas ações quando faz sentido, e seus altos executivos são muito menos agressivos em seus programas de compensação do que seus colegas americanos”, explicou.

No último exercício, a Berkshire aumentou sua participação na Mitsui de 8,09% para 9,82%, na Mitsubishi de 8,31% para 9,67%, na Marubeni de 8,3% para 9,3%, na Sumitomo de 8,23% para 9,29% e na Itochu de 7,47% para 8,53%. E, embora desde o início o grupo tivesse concordado em manter as participações abaixo de 10% das ações, já houve um acordo para eventualmente subir esse teto.

Ao final de 2024, o custo agregado da Berkshire nessas empresas somava US$ 13,8 bilhões e o valor de mercado das participações totalizava US$ 23,5 bilhões. A renda anual de dividendos esperada dos investimentos japoneses em 2025 totalizará cerca de US$ 812 milhões e o custo de juros da dívida denominada em ienes da Berkshire será de cerca de US$ 135 milhões.

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O que Buffett viu no Japão?

Mas o que Warren Buffet viu no Japão que ninguém mais estava prestando atenção? O IMD, um instituto acadêmico independente, destacou numa análise recente que a jornada japonesa nas últimas décadas é um conto de altos e baixos. Nos anos 1980, o país parecia imparável, com inovações em manufatura e tecnologia que deixavam o mundo no limite. Mas a crise econômica na década de 1990, que iniciou um período de “décadas perdidas”, com estagnação perene.

Desde então, a Bolsa de Valores de Tóquio despencou, os bancos perderam força e o crescimento econômico tornou-se lento. Com isso, a formidável economia do Japão diminuiu e ficou meio que esquecida pelos investidores globais.

Foi preciso um processo lento de renascimento antes de o Japão chamar a atenção de gente como Warren Buffett, conforme contou no livro “Resolute Japan” o autor Michael Useem. As empresas japonesas tiveram de fazer um mix de valores tradicionais com técnicas modernas de gestão até que a confiança fosse restabelecida. Isso em meio a uma inflação muito mais alta do que o normal para os padrões japoneses nos últimos anos.

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“As empresas japonesas estão adotando cada vez mais a ‘gestão ambidestra’, um conceito que lhes permite alavancar seus principais pontos fortes enquanto exploram novas oportunidades. Essa abordagem permite que eles permaneçam competitivos e relevantes em um mundo em rápida mudança”, disse Useem em um podcast.

Dois componentes críticos desse modelo, segundo Useem, são a caminhada do “Gemba” e a produção enxuta. A caminhada Gemba, famosa pela Toyota, envolve executivos que visitam as linhas de frente de seus negócios para observar as operações em primeira mão. Ao sair de seus escritórios, os líderes obtêm insights diretos de funcionários e clientes, ajudando-os a tomar decisões que atendem às necessidades do mundo real.

Já a produção enxuta da Toyota, outra marca registrada da gestão japonesa, é agora um marco em todo o mundo, ressaltando a eficiência e a disciplina que as empresas locais trazem para suas operações.

Outro ponto importante citado por ele é a dedicação das empresas japonesas com as partes interessadas (“stakeholders”), que inclui compromissos com funcionários, comunidades locais e fornecedores, o que ajuda a construir companhias resilientes e bem preparadas para enfrentar tempestades econômicas. Esse seria um fator-chave que atraiu Buffett, que muitas vezes em seu histórico priorizou empresas com visões sustentáveis de longo prazo.

A preocupação com inovação e tecnologia é outro ponto a favor do setor corporativo nipônico. Por exemplo, as empresas japonesas controlam 60% do mercado global de wafers de silício, um material crítico para a produção de semicondutores. Eles também lideram em rolamentos, vidros de alta tecnologia e várias tecnologias automotivas, tornando o Japão um player essencial nas cadeias de suprimentos globais.

A tese de investimento de Buffett

Como Buffett, sempre se concentrou em empresas estáveis e com fundamentos sólidos, esse foco corporativo na resiliência faz com que o Japão represente uma oportunidade de investimento ideal. O recente ressurgimento do mercado de ações japonês, reforçado por essas corporações revitalizadas, sinaliza que as empresas japonesas estão agora preparadas para o crescimento de longo prazo.

E, ao manter um foco nos “stakeholders”, as empresas japonesas minimizam os riscos de mudanças repentinas no mercado, oferecendo uma opção de investimento mais estável. Isso ao contrário de algumas empresas dos EUA, que priorizam ganhos de curto prazo para os acionistas.

Claro que há riscos. O envelhecimento da população japonesa e o dinamismo empresarial relativamente baixo continuam sendo obstáculos potenciais, como apontou a OCDE em sua Pesquisa Econômica de 2024. Por outro lado, há uma ênfase na inovação e na adaptação estratégica no setor privado, enquanto o governo está promulgando reformas para reforçar a competitividade econômica e incentivar o empreendedorismo.

Segundo o IMD, o investimento de Warren Buffett no Japão é mais do que apenas uma decisão financeira: é um voto de confiança em uma nação resoluta e ressurgente. “O renascimento corporativo do Japão, impulsionado por uma liderança inovadora e um compromisso inabalável com o valor das partes interessadas, está remodelando sua posição na economia global. A medida de Buffett sinaliza que a economia do Japão é resiliente e oferece um modelo de resiliência e adaptabilidade com o qual outras economias podem aprender.”

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Análise

Embora faça a ponderação de que esse investimento é até pequeno diante do portfólio de ações e títulos de dívida que a Berkshire tem, Pedro Oiticica, sócio e analista da gestora Nextep, ele se provou um sucesso absoluto. “Foi um trade maravilhoso, que gerou um ganho de capital muito relevante, que gera rendimentos muito superiores ao custo de montar essa posição. Mas, no fim das contas, o efeito disso no preço da Berkshire é muito pequeno”, disse.

O gestor acredita que a estratégia foi mais uma aposta numa distorção de preço e valor dos cinco grandes conglomerados japoneses do que na economia do país em si. Ele destacou que foi aproveitada a possibilidade de conseguir emitir dívida em ienes a um yield muito baixo. “O serviço de dívida é muito barato em empresas que distribuem dividendos, mas estão baratas. Então, você consegue se valer desse diferencial entre o dividend yield e o cupom de títulos que, nos níveis da época, eram muito atraentes”, explicou.

Assim no entender do gestor, muito dessa montagem de posição em 2019 e 2020 foi por conta do preço que, nas próprias palavras dele [Buffett], era incrivelmente baixo, se comparado ao valor. “Foi muito uma função da distorção completa entre preço e valor e eu não sei se necessariamente uma aposta (…) na economia japonesa”, disse.



FonteCâmara dos Deputados

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